quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Quase isso.

Eu o via, relatava-me a senhora, sempre rodando por aqui. Dava pra ver daqui de cima, o rapaz, sempre parecia estar com a mesma roupa, mesmo eu sabendo que ela tinha mudado de paletó, era quieto, nunca suspendia a cabeça pra dar um oi. Era sabe, como chama moço? Aquele negócio que parece sempre dar no mesmo? Ah! Deixa pra lá. Parecia sempre igual o que ele fazia, mas dava pra notar diferenças nos passos, cada dia mais fracos. Ele parava naquele poste ali ó! Ficava olhando pro chão igual um cachorro sem dono. Eu acho moço, que ele tem problema de cabeça, fica olhando os "paralepipidu" sem parar. Tinha dias que os homens do bar tentavam puxar conversa com ele, ele até respondia sabe, eu não ouvia, mas ele respondia, mas não dava muita atenção. - Obrigado senhora. - Nada moço, quer um café? - Não, obrigado.
Devaneios a parte, eu sempre soube que ele existia, em algum lugar eu sabia. Aquela parte lusco- fusca acinzentada, aquele sorriso quase triste, aquele paletó tão cinza quanto o céu. Eu sabia! Eu sabia! Poderia gritar eureca! Mas não sou cientista pra isso. Sou um observador daquele homem, uma obsessão. Eu estava próximo. Era o que eu iria fazer, encostaria da mesma maneira que ele, naquele mesmo poste, olharia para o tapete cinza enquanto as pesadas mas poucas gotas caiam no chão, estalando. Passava o primeiro carro, o segundo, um oi de um casal, um boêmio me olhou torto, deve achar que eu sou ele. Então, caminhando lentamente veio, como a senhora disse, sem suspender a cabeça, olhando as fendas deixadas por milhares de passos que ali um dia passaram. Não me deixou só, obrigado. Obrigado Deus. Faço desta chuva as minhas lágrimas. Eu tentava captar os olhos, mas se escondiam atrás de um pouco de cabelo, de um desvio natural de olhar aos olhos. Obrigado por voltar, de onde nunca deveria ter saído. Eu me encontrei com tudo que sempre existiu e ali foi o fim.

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