Todos os dias, ao nascer do sol, continuava ouvindo aquele mesmo discurso, poucas palavras mudaram. Dos que chegaram ali, poucos ainda restavam, alguns mais fortes, outros com a barba a fazer, outros ainda com o mesmo semblante cansado que sempre tiveram.
Assim, passaram os dias, dias e dias. Até que naquela tarde fui chamado, me deram a notícia, o campo seria meu lugar, banhado de sangue e aço. Empunharia a minha vida acima daquele alazão branco, cortaria gargantas em nome de alguém. Disseram as mesmas palavras sobre honra e valor, fingi que dei ouvidos, eu iria pois não tinha outra escolha, mas não estaria lá por nada ou ninguém, queria ir e voltar, vivo e inteiro.
Não lembro do tempo da viagem, nem dos alojamentos, nem dos homens aos quais estive ao lado até ouvir o rufar das peles inimigas, pele humana que fazia seus tambores. Era como se estivessem batendo em meu peito sem parar, meu estomago revirava, eu nunca tinha matado um homem, mas ali, era a única escolha.
Soou, desembainhei minha lâmina e vi a horda inimiga logo a frente, lá estavam eles, lutando por algo. Mas o quê? Os homens corajosos ao meu lado gritavam em línguas que eu não conhecia ou simplesmente rugiam de ódio contra o desconhecido. Eles eram meus irmãos agora, nós eramos um só, um só sangue, uma só lâmina, eu começava a entender as palavras que foram mil vezes ditas.
O primeiro homem veio, depois de uma defesa, cortei-o ao meio. E outro, e outro. Um corte no antebraço, queimou como fogo. Não há como descrever exatamente isso, só existe.
Lá então eu vi, alguns daqueles homens, meus irmãos, sendo cortados, mutilados, levados prisioneiros, eu tinha de salva-los. Era honra. Agora eu entendia, uma vez dita as palavras, eu não poderia voltar atrás, cavalguei então para eles, senti meu alazão cair, junto comigo, atingi o chão, e naqueles exato momento senti minha cota de malha rasgar, o sangue fluir. Ali, eu morria com honra, por ter feito meu dever, de ter sido, por pelo menos alguns minutos, alguém de verdade.
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